Mapeamento do mercado de tradução

Mapeamento do mercado de tradução

Personagens, campos de atuação e de oferta de trabalho
 
Por atuar há dez anos no mercado de serviços linguísticos, já tive tempo para ver, experimentar e entender as dinâmicas que o constituem. Essa percepção talvez não seja tão nítida para quem está chegando agora.
 
Neste artigo, vou apresentar as personagens que identifico nesse mercado, com foco no nicho da tradução. Também vou destrinchar os campos de atuação e as fontes de oferta de trabalho disponíveis para essas personagens.

Atenção: este esforço classificatório não se pretende definitivo, mas flexível e manipulável de acordo com a conjuntura micro e macropolítica de cada indivíduo que se lança nesse mercado. Reforço que essa é a forma como eu enxergo o universo tradutório, portanto, fique à vontade para discordar, concordar ou acrescentar a sua perspectiva.

Personagens

São os agentes desse mercado. Eles podem abandonar uma personagem (“evoluir”) ou conjugar simultaneamente mais de um perfil de personagem.
 

Estudante e/ou tradutora iniciante

É a pessoa que acabou de chegar no mercado, motivada por inúmeras intenções. A falta de experiência pode levá-la a enfrentar algumas ciladas, o que é completamente normal.
 
A recorrência de ciladas pode ser evitada se a pessoa buscar informação, formação e formalização. Essa tríade se retroalimenta e exige comprometimento de longuíssimo prazo.
 
  • Informação: adquirir conhecimentos com os pares e nas redes. Hoje, a oferta de canais informativos de colegas de profissão é farta!
  • Formação: participar de cursos profissionalizantes e de especialização em diversas áreas correlatas ao ofício tradutório.
  • Formalização: assumir a faceta empresarial como tradutora, investindo na abertura de uma empresa, em marketing, vendas e afins.
 
Os campos de atuação do estudante e/ou tradutora iniciante são a tradução voluntária, a tradução de fã (muito comum na legendagem) e a carreira acadêmica.
 
Muitas pessoas que estão começando também buscam emprego de carteira assinada em agências de tradução (tradutora in-house) para adquirir experiência e conhecer de perto os processos de gerenciamento de projetos em tradução.
 
Outras optam por iniciar na profissão como freelancers, trabalhando de casa para agências de tradução e clientes diretos pessoais (pessoas físicas, conhecidos e familiares).
 
Pela falta de experiência empresarial, essa personagem tem menos habilidade para negociar tarifas , mas pode adquiri-la com a tríade acima (informação, formação e formalização). Isso faz com que ela aceite tarifas baixas e, às vezes, trabalhe sem registro fiscal dos serviços que presta (sem nota fiscal ou RPA).
 
Esse profissional também costuma procurar trabalho com agências de tradução, pois elas representam um fatia considerável do mercado brasileiro, sendo o caminho mais curto para se encontrar trabalho para quem está começando.
 

Tradutora intermediária

É a personagem que já alcançou mais maturidade profissional e empresarial, que não enxerga mais a profissão como um bico. Ela mantém seus compromissos fiscais em dia como pessoa física (emissão de RPA, pagamento do carnê leão) ou como pessoa jurídica, abrindo uma empresa para emitir notas fiscais sob um CNPJ.
 
É importante ressaltar que ter empresa não é indicativo ou garantia de ser uma boa profissional.
 
O processo de abertura e a manutenção fiscal de uma empresa são esforços financeiros difíceis de assumir e gerir com saúde. Assim, alguns tradutores intermediários podem buscar soluções alternativas (e nem sempre legais) de emitir nota fiscal para os seus serviços.
 
Alguns “jeitinhos” recorrentes são a compra de nota de outro profissional que tenha empresa ou a abertura de uma empresa MEI, cujo enquadramento não contempla as atividades de tradução e interpretação.

 

Pensando em voz alta…
Se o MEI um dia contemplasse as atividades de tradução e interpretação, acredito que os profissionais iniciantes (e intermediários, quem sabe) teriam oportunidade de sair da informalidade com mais calma. Como? O MEI funcionaria como um “degrau”, um estágio intermediário que desembocaria em uma ME após alguns anos de trabalho. Assim, o autônomo MEI poderia desenvolver seu negócio dentro dos conformes fiscais, ganhando “viço” e força para, quem sabe um dia, extrapolar o limite de faturamento MEI e migrar sua empresa para outro enquadramento.
A cartela de clientes da tradutora intermediária é mais diversificada (mais agências brasileiras; começam a pintar clientes diretos, pessoas jurídicas) e ela começa a se aventurar no mercado internacional, fazendo contato com agências estrangeiras. Esse passo requer mais traquejo empresarial, administrativo e financeiro para receber rendimentos do exterior, por exemplo.
 

Tradutora avançada

É a personagem que está há mais tempo no mercado, coleciona diversas experiências e, muitas vezes, tem uma oferta de serviços diversificada, que vai além da tradução. Via de regra, é uma profissional liberal com empresa constituída (sozinho ou com sócios e colegas da área).
 
Essa profissional já tem sua rede estabelecida de agências estrangeiras, um punhado de clientes diretos nacionais, quiçá internacionais. Ela viabiliza essa presença profissional com uma rede forte, alimentada pelas mídias sociais e pelo reconhecimento entre pares.
 

Campos de atuação/ fontes de oferta de trabalho

São os espaços onde as personagens atuam, a saber:
 

Voluntariado

Todos os tradutores podem decidir oferecer seus serviços voluntariamente para ajudar causas e projetos em que acreditam.
 
Tradutores iniciantes podem construir um portfólio com traduções voluntárias de materiais disponíveis em domínio público, usando esse portfólio como ferramenta para prospectar clientes e justificar alguma experiência.
 
Nesse caso, é recomendado entrar em contato com o autor do material para pedir autorização e, quem sabe, plantar a sementinha da prospecção com esse contato despretensioso.
 

Dedicação de fã

Escolhi mencionar esse espaço para contemplar o fenômeno fansub, em que legendas são feitas por fãs de programas, filmes, atores, etc.
 
É um espaço que se assemelha ao voluntariado, pois a tradutora costuma fazer as legendas de materiais que gosta e acompanha. Quem já circulou por esse meio pode ter mais facilidade para se estabilizar no nicho de legendagem.
 

Agências de tradução nacionais

Funcionam como polos de distribuição de serviços de tradução, revisão e afins. A tradutora pode trabalhar internamente (com carteira assinada) ou como freelancer.
 
Essas agências costumam selecionar profissionais por meio de testes de tradução (não remunerados, em sua maioria — infelizmente), têm seus próprios processos de gerenciamento de projetos e códigos de confidencialidade que precisam ser seguidos pelos tradutores.
 
O profissional que trabalha com uma agência de tradução assume uma função específica (traduzir, revisar, legendar, etc.) e será remunerado apenas por ela, não tendo que se responsabilizar por todas as demais etapas de um projeto.
 

Agências de tradução estrangeiras

Elas seguem a mesma lógica de funcionamento básico das agências brasileiras, mas podem oferecer o diferencial do câmbio vantajoso (dependendo do momento) com pagamento em moeda estrangeira.
 
Noto uma segmentação entre as agências estrangeiras: há agências grandes (normalmente localizadas na América do Norte e na Europa) e há agências intermediárias (normalmente localizadas na América Latina, Ásia, África e Oceania).
 
As agências grandes terceirizam projetos para as agências intermediárias — por vezes, uma agência intermediária faz parte de um conglomerado comandado por uma agência grande.
 
É claro que há uma diferença de tarifa oferecida por essas agências estrangeiras. A regra, em geral, é: quanto mais “atravessadores”, menor o valor que chega para a tradutora.
 

Clientes diretos PF (pessoa física)

Pessoas com alguma necessidade pontual de tradução. Casos corriqueiros: acadêmicos, pessoas em processo de expatriação temporária ou permanente, pessoas com projetos pessoais.
 

Clientes diretos PJ (pessoa jurídica)

Empresas que buscam a internacionalização de seu negócio e têm uma variedade de conteúdo para traduzir. Costumam querer o produto final, pronto para ser lido pelo cliente-alvo.
 
Isso significa que, para atender esses clientes, a tradutora tem que traduzir, revisar, conferir e gerenciar o projeto do início ao fim — diferentemente da tradutora que trabalha para a agência, caso em que assume uma única função.
 

Editoras

São empresas que publicam livros (ficção e não ficção); têm portes diferentes, processos seletivos próprios (com teste ou amostragem do trabalho da tradutora) e demandas diversas.
 
Para mais informações, consulte o blog do Ponte de Letras ou os canais da Pretexto.
 

Plataformas de trabalho em esquema de leilão

São diretórios em que pessoas e empresas buscam profissionais para traduzir projetos. Existem diversas plataformas dessa natureza, algumas operam mais ferozmente no esquema “quem oferecer o menor preço, leva o trabalho” (que não é lá muito legal e saudável), outras não.
 
O ProZ é uma plataforma muito conhecida no mercado de serviços linguísticos e pode ser a porta de entrada para conhecer clientes promissores.
 
Esses são os campos de atuação mais óbvios para tradutores. Eles podem ser combinados e descombinados a gosto da tradutora, que também pode descobrir e criar novos campos para trabalhar.
 
Embora o jargão “cavar um nicho” seja um pouco batido, ele é uma tática realmente eficiente para nós, como também muito individualizada: perceber uma oportunidade de serviço não é uma habilidade inata, mas desenvolvida.
 
Quanto mais um tradutora mergulha em seu ofício, mais inventiva ela pode se tornar para criar oportunidades de crescimento para o próprio negócio tradutório.

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